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sexta-feira, 13 de julho de 2007

TEXTO DE ALEXANDRE MATE

O texto abaixo foi escrito para o informativo do Movimento de Teatro de Rua e está publicado no nº 2.


COM QUANTOS LA-LAUS SE FARIA UM PALCO LEGAL?!
Por Alexandre Mate[1]

Fiz ranger as folhas de jornal, abrindo-lhes as pálpebras piscantes,
E logo
De cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora,
Perseguindo-me até em casa (...)
O mar da história é agitado.
Wladimir Maiakovski.

E então, que quereis?
Alguém tem idéia, de fato, da população da cidade de São Paulo? Quantos somos? Quantas pessoas circulam pelas ruas, avenidas, jardins, praças... da incalculável malha de circulação e, também, viária da cidade? Quantos Severinos buscando uma vida mais digna e humana – apesar dos horrores de injustiça que caracterizam o país; e nele, as grandes cidades –, chegam, por dia, à metrópole? Quantos grupos de teatro da cidade: dos ‘centros às periferias’ apresentam-se tanto nos espaços de representação como nos redimensionados para esse fim? Como terminaria Brecht em um de seus poemas: ‘Tantas histórias. Tantas questões.’
Considerando a imensa população da cidade, e nela tantos a dedicarem-se à prática teatral, seria de esperar que os espaços de representação, de certo modo, fossem proporcionais aos interesses do conjunto de sujeitos interessado nessa linguagem. Afinal, como apregoa a ideologia oficial, tratar-se-ia de uma demanda de mercado: lei de oferta e de procura. Infelizmente, e desde sempre, não é disso que se trata. Manter um espaço institucionalizado, como se sabe, é muito mais difícil do que sua construção. Mas se é difícil a um Estado incompetente e descomprometido com as demandas sociais, tanto criar como manter espaços consagrados aos mais diversos e essenciais serviços à população (e ao ler-se os programas políticos dos partidos pode-se ter uma dimensão, para além da incompetência das tantas mentiras neles impressas), seria ‘natural’ pensar: Bem, o Estado não consegue construir ou manter os espaços prometidos, mas, do mesmo modo, seria ‘natural’ que ele facilitasse aos interessados, a criação desses espaços!
Não é disso, entretanto, que se trata! Ao contrário, para um Estado em que tantas são as promessas em discursos e em palavras impressas apenas, trata-se de impedir, de todos os modos, que a população se reúna para preencher as infinitas lacunas e descompromissos desse Estado.
Senão vejamos: não há teatros suficientes para a quantidade de artistas e postulantes ao trabalho teatral. Construir certos espaços não dá votos! Melhor, então, construir grandes avenidas e tribunais pomposos, cujo metro quadrado é caro, mas, afinal, são edificações necessárias à manutenção de certas práticas necessárias a... Mas não é conveniente discutir esse assunto aqui! Como dizia acima, não há teatros suficientes, mas há uma incalculável malha de circulação de pedestres na cidade. Ótimo, basta apenas, que se marque, de alguma e qualquer forma, no chão uma, e sempre transponível, marca no chão para o fenômeno teatral acontecer... Na cidade de São Paulo as coisas não são tão fáceis assim não! Pensando o quê?! Os legisladores, segundo a propaganda, ‘da maior e mais importante cidade do país’, estão aí para descumprir com suas responsabilidades? Deixar flancos para que a população reconhecesse sua incompetência? Na-na-ni-na-não!!! Ambulantes não têm áreas específicas demarcadas para o seu trabalho? Não são concedidos alvarás exarados por tanta gente séria nos setores da Prefeitura? Os fiscais não têm a incumbência de coibir os excessos e as ilegalidades, cumprindo a lei? Então? Tudo funciona! A produção dos artistas de rua, também! A cidade é grande, mas quem quiser usar metros quadrados da tão conservada e progressista cidade precisa tirar um alvará e pagar por esse uso! Afinal, a cidade é de todos! Imposto? Então, os exorbitantes impostos recolhidos pelo Estado, destinam-se a outros setores: educação, saúde, previdência, transporte... Então, tudo isso não tem funcionado?
Que grande tristeza à nossa volta! Esse estado de calamidade e de descaso caracteriza o caos, a desumanização, a bandidagem, a corrupção..., mas não os salários dos políticos. É polícia batendo em sem-teto: que insiste em invadir prédios abandonados; em professores: que reivindicam melhores salários e condições de trabalho; em estudantes: que lutam contra o aumento da passagem; em torcedores de futebol: que querem que os jogos sejam disputados mais cedo; em artistas de rua: que usam o espaço público sempagar.
Assim como qualquer cidadão, os artistas de rua, sejam populares ou não, precisam entender que seus padecimentos decorrem, para além da ‘ordenação e de uma perversa lógica do mundo’, da ausência de políticas públicas, que podem até existir nos papéis, mas não nas práticas sociais. Artistas de teatro: sejam de rua ou de estúdios de televisão, por pagar todos os acachapantes impostos, sobretudo pela venda de sua força de trabalho, é um trabalhador também! Então, não tem tanta gente de prestígio que, feito camelô televisivo, vende de instituição bancária a remédio, passando por empresas do Estado? Artistas estão inseridos nos quadros de produção!
Consideradas todas as singularidades, a luta pelo direito de ocupação das ruas é a mesma pelo atendimento digno em um hospital. Se aqueles que usam as ruas para um ato de comunicação, de interlocução, de prazer e de entretenimento com seus iguais se aproximarem dessa delicada, mas vitalquestão, as táticas podem se transformar em estratégias de ocupação e de democracia.
Eis aí: pode ser um (re)começo!

[1] Professor e pesquisador de teatro.

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